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Você sabia que a fonte pode mudar o gosto da comida?

Imagine que você vai experimentar um novo chocolate. Ele vem em uma embalagem elegante, com letras serifadas, finas, douradas. Só de olhar, já espera algo sofisticado, talvez com notas de cacau intenso e textura aveludada. Agora, pense no mesmo chocolate embalado com letras grandes, arredondadas e coloridas, como em uma embalagem infantil. Já imaginou como isso pode afetar o que você vai sentir ao provar?

Por mais estranho que pareça, a tipografia – o estilo das letras – pode realmente mudar nossa percepção do sabor. Não é mágica, é ciência. E o design está no centro disso. Estudos de neurociência cognitiva vêm mostrando que a forma como os alimentos são apresentados ativa áreas específicas do cérebro ligadas ao prazer, à expectativa e à memória afetiva. A tipografia usada em embalagens, menus ou campanhas publicitárias atua como um “gatilho sensorial” visual que antecipa o sabor.

Foto: Insigniada

O professor Charles Spence, da Universidade de Oxford, é um dos maiores especialistas em percepção sensorial cruzada. Em suas pesquisas, ele mostra que letras finas e elegantes são associadas a sabores mais suaves, delicados ou sofisticados, enquanto tipos de letra mais ousados e grossos são ligados a sabores intensos, doces ou divertidos. Em outras palavras: seu cérebro monta um “preview gustativo” antes mesmo da comida tocar a boca.

Segundo princípios do design emocional, cada tipo de letra comunica uma emoção. Isso é amplamente usado em branding – e agora também está sendo explorado para modular a experiência do consumidor com alimentos. Serifadas clássicas, como Times New Roman ou Garamond, evocam tradição, requinte e confiabilidade. São associadas a produtos gourmet ou artesanais. Sans-serif modernas, como Helvetica ou Futura, transmitem objetividade, limpeza e contemporaneidade, ideais para sugerir frescor ou leveza. Fontes script ou cursivas, como Lobster, remetem ao toque humano, à doçura e à nostalgia, sendo perfeitas para sobremesas ou itens afetivos. Já as fontes display mais extravagantes ou infantis geram curiosidade, surpresa ou diversão – ideais para balas, chicletes ou snacks lúdicos.

A ciência dá suporte a essa ideia. Um estudo publicado no Food Quality and Preference Journal (Velasco et al., 2016) apresentou diferentes embalagens de sucos, alterando apenas a tipografia do rótulo. Os participantes relataram que o mesmo suco parecia mais cítrico quando a fonte era aguda e pontiaguda, e mais doce quando a fonte era arredondada. Outro experimento de Spence, realizado com barras de chocolate, mostrou que o uso de letras douradas e serifadas fazia os participantes acreditarem que o chocolate era mais caro, mais intenso e de sabor refinado, mesmo quando era idêntico ao de outras embalagens.

Hoje, marcas e designers estão aplicando esse conhecimento para influenciar o consumidor em múltiplos pontos de contato. Menus de restaurantes, por exemplo, usam fontes leves e sofisticadas para pratos premium e fontes mais lúdicas para sobremesas. E-commerces ajustam a tipografia de acordo com o tipo de produto e público-alvo. E campanhas de food marketing exploram o contraste entre fonte e sabor para gerar surpresa ou reforço da marca.

Se o sabor é uma experiência multissensorial, a fonte é um dos primeiros ingredientes do prato. Ela prepara o cérebro para o que está por vir, influenciando a expectativa, o julgamento e até mesmo o prazer durante o consumo. Portanto, da próxima vez que olhar para uma embalagem ou cardápio, repare na fonte. Ela pode estar sussurrando ao seu cérebro: “isso é doce”, “isso é sofisticado”, “isso vai te surpreender”. Design, afinal, também é sabor.

Fontes e referências
  • Spence, C. (2015). Multisensory Flavor Perception. Cell Press.

  • Velasco, C., Woods, A. T., Deroy, O., & Spence, C. (2016). Hedonic mediation of the crossmodal correspondence between taste and shape. Food Quality and Preference.

  • Norman, D. (2004). Emotional Design: Why We Love (or Hate) Everyday Things.

  • Hekkert, P. (2006). Design aesthetics: Principles of pleasure in design. Psychology Science.